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O Alienista - Um ensaio sobre a loucura

  • Foto do escritor: Júlio Moredo
    Júlio Moredo
  • 10 de nov. de 2020
  • 4 min de leitura

chado de Assis volta a surpreender mesmo os mais exigentes leitores neste conto quase tão profundo quanto uma novela ou mesmo um romance. Nele loucura e sobriedade são meras perspectivas numa sociedade pautada por morais flexíveis e em que o nosso protagonista, o médico Simão Bacamarte, não logra encontrar lógica e ética

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Conto regado a sarcasmo e filosofia, onde o enfoque está em onde se inicia e se termina a loucura humana, O Alienista é um ensaio do realismo literário que nos atesta que “de médico e de louco todos temos um pouco”.


Formulado em capítulos, sendo quase uma novela, seu conteúdo é puramente machadiano, envolto em pesadas e pessimistas reflexões sociais sobre a marginalização da insanidade.


Em “tempos del Rei” (finais do século XVIII), Simão Bacamarte, o protagonista, é considerado o maior psicanalista do império português. Diplomado em Coimbra e radicado em Itaguaí, cidade do litoral sul fluminense, ele sustenta um sonho de vida: construir uma casa de repouso em que todos os considerados dementes poderiam ser estudados.


"Era um grande homem austero, Hipócrates forrado de Catão" (Descrição do alienista)

Apoiado por sua esposa, a aristocrática viúva Evarista, o doutor logra o seu feito através de um imposto no serviço público – pagando taxas pelo tempo de uso dos cavalos do coche funerário. Com a verba, a obra reformula um casebre e o transforma em um suntuoso casarão.


“Era na Rua Nova, a mais bela rua de Itaguaí naquele tempo, tinha cinquenta janelas por lado, um pátio no centro e numerosos cubículos para os hóspedes. Como se fosse grande arabista, achou no Corão que Maomé declara veneráveis os doidos, pela consideração de que Alá lhes tira o juízo para que não pequem. A ideia pareceu-lhe bonita e profunda, e ele a fez gravar no frontispício da casa;” (Trecho do conto)


Batizado como a Casa Verde, o empreendimento de Bacamarte atraiu malucos de todas as plagas e qualidades, sendo necessário, inclusive, organizá-los e expandir o prédio.


O ludibriado padre Lopes mal podia acreditar, e o boticário Crispim Soares, bajulador profissional, estimula o amigo Simão a seguir com o seu sonho.


“O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meu coração. Creio que com isto presto um bom serviço à humanidade.” (Simão Bacamarte a Crispim Soares, trecho do livro)


A trama, desta forma, mistura valores cristãos com o cientificismo obstinado do médico, numa evidente conjuntura dos tempos vividos por Machado, o século XIX, tempos do positivismo acadêmico e do avanço da ciência.


Enredado nesta tarefa de ser um “Deus médico” em seu palácio, o doutor foi confinando sua existência apenas em dividir, catalogar e curar ou remediar os doentes mentais que alojava em seu hospício, esquecendo-se até de sua fiel esposa, definhada em um canto da casa.


Como em toda prosa de Machado, o narrador é de constante intervenção e grande erudição, traduzindo o contexto vivido pelos personagens e decifrando seus sentimentos e estados de espírito.


Tendo ganhado muito dinheiro com o sucesso meteórico , Simão envia a infeliz Evarista para uma temporada no Rio de Janeiro com pompa e circunstancia, em uma larga comitiva que inclui mucamas e a esposa de Crispim.


Frio e calculista, sem almejar fama ou poder, ele retorna aos estudos de seus internos elaborando uma “Teoria Geral da Insânia”, que revela pontos de convergência entre almas possuídas por maldade ou irracionalidade, pondo em situação de loucura toda pessoa com mínimo desvio de caráter e conduta.


As coisas começam a sair do controle quando, seguindo sua teoria, o psiquiatra começa a arrestar todos os que lhe parecem minimamente insanos. Isto é, quem saia das regras básicas de autopreservação social ou, paradoxalmente, seja expansivo no trato.


Prende-se Costa, um rico herdeiro do tio, por empobrecer devido à sua mão aberta e solidariedade. E a prima deste por superstição em excesso ao alegar maldição rogada à fortuna. Em seguida, veio a detenção de Mateus, vendedor de albardas retido por ser obcecado em admirar sua casa e mobília.


Não obstante o retorno de Evarista seguiram-se novas detenções, desta vez por alegada erudição de Martim Brito, jovem que cortejou a moça em jantar. Depois foram Jorge Borges do Couto e o senhor Coelho, por demasia de cortesia de um e desmedida exposição retórica do outro.


A ambição do médico começou a taxar de mentecapto todos de seu universo. E essa relação doentia entre ele e o povo da vila mostra muito de quem somos quando ameaçados por uma força despótica: relativizamos prisões, nos escondemos em casa para fugirmos à caça e evitamos ser genuínos, preferindo não mostrar nossa real face a quem nos observa de modo paranoico.


O terror, por fim, estava instalado em Itaguaí: ninguém estava livre às análises de loucura do psicanalista, cada vez mais austero e inflexível. Não demorou a que a população, oprimida, pensasse em piquete e revoltas ante a tirania de Bacamarte, com um líder revoltoso a surgir – o barbeiro Porfírio Caetano das Neves, que tomou a missão de derrubar a “Bastilha da razão humana” da Casa Verde.


O livro vai transcorrendo de modo denso para tão curta prosa. O potencial da narrativa, em qualidade dramática e literária poderia a tornar um romance, pois reserva embates políticos, sociais e filosóficos e muitas reviravoltas ao leitor, além de ser de imensa profundidade na análise comportamental do ser humano.

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