Cem Anos de Solidão - Uma obra prima do realismo fantástico
- Júlio Moredo

- 5 de out. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de out. de 2020
Um ensaio latino-americano sobre a construção social de uma comuna isolada e regida por aspectos fantásticos.

O livro do colombiano Gabriel Garcia Márquez é um ensaio latino-americano sobre a construção social de uma comuna isolada e regida por aspectos fantásticos, com a divisão de terras e rendimentos pelos fundadores do pvoado, batizado de Macondo: A família Buendia e seu patriarca, Jose Arcadio.
A obra torna-se uma caixa de Pandora de relações humanas com o apoio do mágico: morte, ignorância e racionalismo, além de sonhos como voar, descobrir o controle do tempo ou criar moradias de gelo para a aldeia.
Essa inocente falta de informação está junto aos personagens centrais, principalmente na fase inicial da história. Tudo é iniciado pelo místico cigano Melquíades, plantando o desejo pelo desconhecido nos corações de Arcadio e de seus filhos, Jose Arcadio II e Aureliano.
O feiticeiro torna-se pilar, termômetro e árbitro de toda a construção dramática, além de prever o destino do clã e da própria Macondo, tão logo completou-se cem anos de solidão e intempéries.
Garcia vai nos invitando a adentrar na formação, construção e desenvolvimento do local, com prosa que limita entre o concreto e o abstrato, numa memória afetiva da infância do escritor.
O emaranhado de dramas se sobrepõem entre filhos, netos, bi, tri e tetra netos de Arcadio e Ursula, a matriarca e força diligente da casa, o lúcido na loucura, que luta pela sanidade da família enquanto a povoação e seus descendentes vão crescendo.
Ao encontrar seu fim, a anciã prevê sua existência findar com o fim de uma estação chuvosa. Isto é uma constante nos desfechos dos personagens a um ciclo da natureza. Seu marido passa para a morte da mesma forma, amarrado a uma árvore e alucinando, falecendo junto a uma neve de flores amarelas. Outras mortes, como a dos filhos do casal, também são presentes de alegorias naturalistas.
A matriz feminina e natural é, por isso, essencial para a compreensão da aventura. Ursula, como já citado, é a personagem de maior persona e que mantém a casa “ordem” para as gerações vindouras. Sua neta Remédios, apelidada “a Bela”, é filha direta da ternura e ingenuidade fundeada em todas as mulheres. Amaranta, sua caçula, dura como pedra, é rígida no sentir e perdoar, rivalizando em força com Rebeca, a prima, igualmente forte e dominadora. A impressão que fica, por isso, é que cada uma delas é a faceta de uma Eva completa, as multifaces complexas das mulheres.
Passando-se um século de dissabores onipresente a todos os membros do clã, seus dramas, ócios, prazeres e angústias vão tornando-se parte da construção visual da obra. Tudo para Márquez tem um simbolismo, desde os nomes dos personagens às suas ações no enredo, como, por exemplo, a vidente e mãe da segunda geração Pilar Tenera, ou a esposa do cruel Jose Arcadio segundo, Santa Sofia de la Piedad.
Há duas formas de ler a obra: a básica, apenas voltada aos factos, e a lúdica, onde cada detalhe toma sentido próprio. Insetos, paredes, tavernas de turcos, ruas, progresso, bordéis, igrejas, guerras (liberais x conservadores, a companhia bananeira norte-americana), todos dão ao livro um tom sócio-político muito mais abrangente.
O intimismo desfecha toda a sentimental criação de Márquez. Das passagens belíssimas que o livro traz uma das mais tocantes é a do galeão espanhol encalhado à costa, a meio caminho entre a futura Macondo e sua antiga morada, do outro lado da serra.
Segundo a crença, a maldição que uniu as famílias de Ursula e Arcadio sempre dariam frutos degenerados, reptilianos, o que foi alertado de maneira jocosa por Prudencio Aguilar, um vizinho, após uma briga de galos. Jose, insultado, assassina Aguilar e, com medo e remorso, foge com metade do vilarejo para fundar sua terra de sonhos.
Por meio da entrada de Melquíades e seus ciganos circenses a trama começa a dar eternas e bonitas voltas em 360º, sempre dando a impressão aos parentes de estarem interligados pelo sangue e pelo destino, cada um deles a seu modo, mas com similitudes visíveis ao longo da narrativa.
Com isso, Gabriel quer nos alertar para a inevitabilidade da velhice, da inutilidade de correr contra o relógio, o espaço e a sina que nos aguarda, tudo isso descrito através de metáforas de grande intensidade imaginativa ao leitor.
Ao final, cada familiar demonstra ter um aspecto similar a um antepassado. Cada qual tem suas inquietudes e amargores, unidos apenas por serem todos solitários.
O último Buendia, o que restou para compreender a extinção da família, foi justamente aquele nascido de um amor genuíno, de Amaranta Ursula e seu amante operário da Companhia Bananeira, Aureliano Jose, uma mistura clara de seus tios-bisavós, o hercúleo Jose Arcadio II e o angustiado Capitão Aureliano Buendia.
Por fim e em suma, Cem Anos de Solidão é uma obra prima do realismo fantástico, um tratado atemporal sobre a psique humana e seu desenvolvimento através de um século de isolamento interior e exterior. Sem dúvida um dos primores literários mais impactantes em que pus os olhos.




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