A Agonia da Alemanha – Georges Blond
- Júlio Moredo
- 21 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de ago. de 2023
Traição, maldade, ocultismo, desespero e fanatismo se misturam quando o Terceiro Reich e seu Fuhrer estão para cair nas garras do destino, da história e da justiça dos homens

Talvez o mais completo livro-reportagem com enfoque no ano final da Segunda Grande Guerra na Europa, A Agonia da Alemanha, do jornalista francês Georges Blond, como o sugestivo título diz, trata dos anos de ocaso do Terceiro Reich e das monstruosidades perpetradas por seu Estado-maior ante o seu povo e seus combatentes de baixa patente, proibidos de se render aos Aliados ou de sequer subsistir durante a invasão de seu país, já que as ordens de Hitler e seus mais fanáticos auxiliares eram de luta total, frontal e ininterrupta, mesmo sem armamentos ou efetivos, e de total destruição da infraestrutura alemã, de panificadoras às maiores indústrias e usinas, legando fome e morte aos civis.
A obra é dividida em marcos temporais fáceis de identificar para quem sabe o básico dos acontecimentos e cronologia da Segunda Guerra Mundial. O primeiro ato começa a partir de 20 de julho de 1944, data do deflagrar da maior conspiração e atentado contra o Fuhrer, todo ele programado por membros da Wehrmacht (forças armadas nazistas) descontentes com os rumos da política de morticínio do regime e angustiosos ao verem a inevitável derrota se avizinhar com o desembarque aliado na Normandia, a 6 de junho (o Dia D), que iniciou, junto à campanha da Itália, a libertação da Europa Ocidental das mãos teutônicas.
A este capítulo, onde um ato fracassado de bravura, com razoável organicidade e grande impacto psicológico na vida de Hitler, segue-se o Derrota no Oeste, onde, em detalhes, o leitor é conduzido pelos campos planos da França centro-norte, da dramática e simbólica libertação de Paris, indo até a invasão belga-holandesa; No seguinte, O Sangue das Ardenas, é mostrado como o Estado-maior alemão tentou um último, tortuoso e malfadado contra-ataque ante as forças anglo-americanas na frente oeste, visando isolá-las num movimento de pinça similar ao da vitoriosa invasão da França em 1940.
A seguir, na parte A Invasão Russa, fica certa a perda da guerra a ocidente, vindo, então, a estratégia de tentar convencer os Aliados a romper com a União Soviética utilizando o terror que a ameaça comunista representava àquelas democracias. Aqui o autor põe em minúcias e de modo bem fluído e dinâmico como era organizada a defesa alemã do eixo Vístula-Oder (Bielorrússia, Polônia e Prússia) e o modo de combater e planejar dos soviéticos, bem como as desesperadas tentativas de batê-los em Praga, Budapeste e Cracóvia.
No penúltimo ato, Terra Arrasada, o autor nos dá conta de como um Hitler desesperado e doente física e mentalmente ordena a seus oficias a obliteração absoluta dos alicerces do país ora invadido pelos dois lados do platô germânico. A resistência de algumas figuras-chave, como o ministro Speer e o general de campo Model, em cumprir as ordens criminosas do líder e senhor da Alemanha salvam algum futuro àquela nação.
Por fim e último há o Apocalipse, nome tão sugestivo como correto para lermos, em forma de diário de testemunhas oculares, os dez últimos dias do Reich na sangrenta e triste Batalha de Berlim, culminando no suicídio de Hitler e de sua amante-esposa, Eva Braun, junto do casal Joseph e Magda Goebbles, que antes já havia assassinado os seis filhos no Bunker antiaéreo da chancelaria.
Toda a narrativa é mesclada com mapas por vezes confusos mesmo para quem conhece algo da geografia da Europa Central. Mesmo assim estes são importantes e cumprem minimamente a função de auxiliar o leitor a se situar e saber, ainda que de modo abstrato, onde, como e por que cada combate foi travado, o número de efetivos e as movimentação das tropas. Outro diferencial do trabalho é o aprofundamento que Blond dá à metodologia e, digamos, pedagogia por detrás da formação acadêmico-militar de um oficial SS, os temíveis homens de elite do Partido Nazista incorporados indiretamente à Wehrmacht.
Vidas de grandes e infames figurões da Alemanha nazi também nos são postas, sem impactar ou confundir a leitura, em bastantes pormenores. Casos das de Heinrich Himmler, Hermann Goring, Albert Speer e Martin Bormann. A estas grandes personalidades do regime mais maligno da humanidade se juntam também as trajetórias de vultos um pouco menores porém diligentes e igualmente importantes como o general-paraquedista Alfred Schlem, o marechal estratega Karl Rudolf Gerd von Rundstedt, Erwin Rommel, a brilhante “Raposa do Deserto”, terror aliado no Saara, o charlatão médico do Fuhrer, Theo Morell e o último general de defesa do exército, Hans Krebs. Ao leitor fica a indagação — como elementos tão venais, obscuros e mesmo psicóticos tais quais Himmler ou Bormann conseguiram ascender tanto num Estado tão civilizado como a Alemanha?
Todo esse caldo de boa reportagem, de alguém que soube ouvir, compilar e selecionar os melhores relatos daqueles tempos sombrios e decisivos sintetizando-os e universalizando-os, se junta ao envolvente jogo diplomático e de bastidores dos líderes nazistas ao ver seu megalômano Reich desabar ante as três maiores potências econômico-militares da época, tornando este livro um achado memorável e um testemunho para se ler periodicamente a fim de não nos esquecermos do porquê tantos lutaram contra homens tão entorpecidos de malícia, loucura, poder, fanatismo e traição, legando à humanidade a morte direta ou indireta de quase 55 milhões de seres humanos no maior dos conflitos da história.
Curiosidades tais quais o conteúdo do testamento político de Hitler, descrevendo todos os seus pormenores odiosos, juntamente com o paradeiro misterioso das quatro cópias deste documento e o do próprio Adolf (na inverossímil teoria de sua fuga do Bunker) dão a tônica derradeira do breve governo do Almirante Donitz, que rende a Alemanha junto a Eisenhower através de um dos futuro condenados à morte no Tribunal de Nuremberg, o general Jodl.
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