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A sul. O sombreiro - A história de Angola em romance

  • Foto do escritor: Júlio Moredo
    Júlio Moredo
  • 10 de nov. de 2020
  • 4 min de leitura

Viajando num romance histórico denso e prinoroso, o leitor irá permear pelas savanas e praias da mítica Luanda e da futura praça de Benguela. Pepetela mixa um portagonista inventado com um real para criar uma trama intrincada de ambição e intrigas na então colônia portuguesa

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O romance do escritor e dramaturgo Pepetela recria a formação do território angolano: o crescimento de Luanda, a aliança entre portugueses e o reino do Kongo, o tráfico negreiro e, principalmente, o povoamento e fundação de Benguela, cidade natal do autor.

O cerne da trama se passa no inicio do século XVII, auge da Espanha Filipina, que governava também Portugal. Durante este período, a atual Angola era uma mina de ouro para o Comércio Triangular com as Américas, despertando cobiça de nações não ibéricas, como Holanda e Inglaterra, e suas companhias mercantes.


A narrativa é feita em primeira pessoa pelo testemunho de figuras históricas reais, como Manuel Cerveira Pereira, governador-geral da colônia, e seus rivais, o Vigário franciscano de Luanda e o ouvidor-geral, André Velho Sottomayor.

Cerveira (chamado “filho de puta” pelo Vigário logo nas primeiras linhas) possui muitos inimigos pelo seu modo tirânico de governar. Desejoso de “privatizar” o tráfico escravagista, minerar ouro e ganhar renome, o político é o primeiro a planejar a colonização da parte meridional da colônia.


Durante os primeiros capítulos, este denso contexto se torna uma faca de dois gumes para o leitor, pois torna a compreensão dos factos um pouco tortuosa, com o escritor a corroborar com isso devido à dureza do seu estilo, cheio de parágrafos imensos e diálogos sem pontuações.


Contudo, à medida que o livro se desenrola é possível se acostumar com essa construção descritiva, versátil ao intercalar os narradores, em geral trocados de capítulo a capítulo.

Para além de Cerveira, o mulato Carlos Rocha e o escravo Mulende, seu fiel escudeiro, nos são apresentados como o trio protagonista da epopeia.


Carlos é um rapaz comum nascido em Luanda, de família paterna vinda do Kongo e que se acredita descender do explorador lusitano Diogo Cão (ele seria seu bisavô). Ao ver seu pai cair no alcoolismo e se afundar em dívidas, o jovem foge para o interior por temer ser escravizado, vivendo como proscrito nas savanas.


Lá ele conhece o ex-corsário inglês Andrew Batell, que lhe ensina os costumes dos nativos e desperta nele a cobiça e ilusão de buscar riquezas e pioneirismo ao sul do território.

Rocha consegue enriquecer com o apoio do britânico, aprendendo suas manhas de anos de caçador, soldado e mercenário.


Ao regressar à capital com alguma fortuna, Carlos é interpelado por um filho de um amigo de seu pai. Traficante de escravos, o homem lhe conta uma lenda sobre a tumba de Diogo Cão e seu mausoléu localizado precisamente em Benguela, o que faz o aventureiro se embrenhar de vez para lá, quase em simultâneo ao próprio Manuel Pereira, a força motriz política da narrativa.


A partir deste ponto, o livro engrena como uma grande reportagem de aventura na África Subsaariana e suas conexões - O mercantilismo, a contrarreforma católica, as disputas entre coroas europeias, a desconfiança nos padres marranos (judeus étnicos) e a rivalidade entre ordens religiosas (franciscanos, jesuítas e dominicanos). Intrigas políticas que imperavam num Portugal unificado por Madrid.


"Uma fome desesperada se apossara da Europa e a Espanha, ingerindo Portugal, era a encruzilhada de todos os caminhos brilhantes de riqueza. No meio da encruzilhada estava ele, El Rei Dom Filipe e seu trono, de ouro e marfim sobre pernas de ébano, refulgindo com diamantes e esmeraldas. Junto ao chão, nas pernas, estava o ébano. Este até merecia o chicote, por ter cor de carvão e grilhetes nos pés” (Trecho do romance).


A dupla Carlos-Mulende irá, então, percorrer savanas e rios e direção ao sul, topando com os ferozes jagas (ferozes guerreiros nômades) no caminho. Eles viverão agruras políticas e se sentirão espremidos entre seu modo de vida, europeu, e sua cor de pele, a negra, passando por traumas e choques de culturais. Graças à astúcia de Rocha, entretanto, ambos logram ganhar a confiança e o respeito da tribo, além de ganhar o coração da bela Kandalu.


A crueza em que Pepetela põe os negros igualmente responsáveis pelo tráfico de escravos é outro aspecto forte da obra, com os diversos reinos tribais colaborando para alimentar os navios com “peças” da terra, prontas a embarcar para o Brasil.

Há, por isso, uma rica variedade de expressões e gírias locais, todas de origem kimbunda, a língua local. Palavras como pumbeiro (caçador de negros), canzar (corruptela de “caçar”), kimbanda (vidente/advinho), kimbo (aldeias/povoados), mukwenje (menino), maluvo, (vinho de palmeira), cubata (cabana), soba (líder tribal) e mambo (coisa) são alguns exemplos.


Em suma, o romance é um constante convite a refletirmos como a Europa manipulou todo um continente para fins lucrativos e empregou a religião em nome desta empresa desumana, moldando com sangue negro o que chamamos hoje de Civilização Ocidental. O texto duro, e direto do autor contribui para uma conclusão nada bonita que tiramos sobre as forjas de nossa sociedade.


Ossos de um navegador, espíritos (matamba) das savanas, libidos carnais e materiais, bebedeiras, caça a elefantes, traição e politicagem te esperam, portanto, nesta excitante saga histórica romanceada.

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